terça-feira, 25 de junho de 2013

"Railsea", China Miéville



Abrir a primeira página de um livro de China Miéville é como estar em frente á Barragem do Castelo de Bode no momento em que ela rebenta. Mas não são milhões de metros cúbicos de água que nos submergem mas sim uma imaginação imensa e uma escrita voluptuosa.
É o que nos acontece mais uma vez quando abrimos este “Railsea”. Temos de fluir com a leitura, as palavras e a imaginação para não soçobrarmos.
O mundo é composto de carris. Carris de caminho de ferro. Toda a terra está coberta por carris que se cruzam e entrecruzam, que volteiam sobre si mesmos, carris que mergulham na terra por túneis, carris ponteados por agulhas e sinais.
Debaixo dos carris e da terra vivem estranhos e gigantescos seres, toupeiras gigantes ou imensas tartarugas.
Todo esse mundo de carris é percorrido por comboios de todos os tipos: eléctricos, a diesel, a carvão, á vela.
O jovem Shamus Yes ap Soorap embarca pela primeira vez, ainda indeciso do que quer ser na vida, num comboio caçador de toupeiras, o “Medes”, do Capitão Naphil. É ajudante do médico do comboio.
O Capitão Naphil tem, como muitos outros comandantes de comboios, uma “filosofia”. E a sua filosofia é “amarela”: caçar uma toupeira gigante amarela, um monstro das profundidades.
Neste “Mobydick” sobre rodas, “Medes” e Sam vão deparar-see com um velho destroço abandonado e nesse comboio acidentado encontram informação que lhes vai mudar a rotina de caçadores de toupeiras.
Sam vai ser perseguido e ameaçado por piratas, caçadores de destroços, comboios da armada transformados em corsários e muitos outros aventureiros. Todos querem o segredo encontrado no comboio destroçado dos pais dos Strokes, um rapaz e uma rapariga. Com Sam também eles partem em busca do caminho interrompido pela morte dos pais: saber o que há para além do Mar de Carris e como ele surgiu.
Apoiado numa escrita plena de onomatopeias e adaptada ás circunvoluções da linha férrea, Miéville arrasta-nos nesta aventura que corre sobre o aço mas que permanentemente nos transporta para o mundo aquático e para a peregrinação do Capitão Ahab no seu “Pequod”. É um “Moby-dick” que corre num mundo estranho e metalúrgico, como estranho também estranho era o oceano onde navegava o “Pequod”.
Já não é o primeiro romance de Miéville em que a linguagem e a sua expressão gráfica ou sonora dá a base de desenvolvimento da história que nos conta.
Também neste “Railsea” foi um enorme prazer chegar a terra firme ao concluir a última página do livro e ter sobrevivido ás profundezas da sua imaginação. E até aprender alguma coisa como a questão do deficit e dos juros da dívida podem ter consequências graves no nosso país.

Título: Railsea
Autor: China Miéville
Editor: Pan Books
Data: 2012
Num.pags: 376
ISBN: 9781447213673

sexta-feira, 7 de junho de 2013

"Les chevaliers teutoniques", Henry Bogdan



Um círculo completo, não perfeito, mas completo, é o que podemos dizer acerca da história da Ordem dos Cavaleiros Teutónicos.
Henry Bogdan, neste seu “Les Chavalier Teutoniques”, desenha-nos este círculo ao longo de vários séculos.
Começa o desenho com a presença tardia dos alemães na Terra Santa e um mal documentado aparecimento de um hospital de Santa Maria dos Alemães que terá recolhido cavaleiros alemães feridos nos combates, bem como peregrinos doentes. Irá colocar-se sob a direcção dos Hospitalários de Saint-Jaen. Com a presença cada vez mais numerosa de alemães da região esta Ordem irá desenvolver-se e em 1199 um documento pontifical precisa que a ordem será submetida á regra dos Hospitários e os irmãos cavaleiros á Ordem dos Templários, usando um manto branco com uma cruz negra no ombro ao contrário da vermelha dos Templários. Com um recrutamento e enquadramento exclusivamente alemão é então que se começa a falar de um Ordem Teutónica ( der Deutsche Orden ou der Deutsche Ritterorden).
A selecção de um frade originário da Turíngia – Hermann von Salza – para grão-mestre da Ordem vai dar um enorme impulso á já então poderosa Ordem. Os dotes diplomáticos deste frade irão exercer-se durante largos anos entre o Império Alemão e o Papado.
Mas se bem que a partir do seu castelo de Monfort (Franc-Chastiau) na Terra Santa, a Ordem é aí uma potência, Salza apercebe-se desde cedo que os futuro tenderá a favor dos árabes na região e começa a procurar outros destinos para a Ordem.
E é nas fronteiras leste da Europa, que esse destino vai ser encontrado.
Fiel á máxima de não colocar todos os ovos no mesmo cesto, Hermann von Salza, aproveita uma oportunidade de estabelecer a Ordem na Hungria, aceitando a oferta de André II da Hungria para ocupar um imenso espaço na zona da Transilvânia. Pela mão dos Teutónicos estas terras quase desabitadas irão ser povoadas de colonos alemães e salpicadas de construções militares para enfrentar as ameaças nas fronteiras. Este Burzenland vai, pela mão dos Cavaleiros, constituir-se quase num estado dentro do Estado Húngaro. Em 1225, todavia, cansado de ver o poder e os privilégios obtidos pela Ordem, será o próprio rei da Hungria que os irá afastar do reino.
O modelo seguido na Hungria – povoamento por colonos alemães, construção de castelos em pontos estratégicos – será aplicado numa escala ainda maior num novo território – a Prússia – a partir de 1230.
Na terra dos pruss, a Ordem vai ser a ponta de lança contra as diversas tribos lituanas da região. Serão anos e anos de ferozes combates contra as tribos locais, ao abrigo da “evangelização” cristã, mas no inicio do sec. XV estará atingido o apogeu da Ordem Teutónica, um estado dirigido por homens de Deus que são simultaneamente, frades e soldados.
Henry Bogdan dá-nos uma descrição muito detalhada da constituição deste estado e da forma de organização da Ordem que lhe permitiu controlar a colonização desta nova fronteira leste da Europa e intervir como parceiro muito activo no comércio através da Liga Hanseática.
E é o desenvolvimento desta burguesia das cidades nascidas do imenso comércio da região do Báltico que vai gerar as primeiras contradições com a Ordem, demasiado presente em todas as actividades. Mas será com o aparecimento do imenso Estado Polaco- Lituano que a Ordem enfrentar os mais duros combates que irão pôr em causa a sua própria existência.
Ao longo de interessantes páginas, o autor vai-nos relatando como também o estabelecimento da reforma luterana nos estados alemães e na região vai socavar os alicerces da Ordem.
Correm os séculos e Ordem dos Cavaleiros Teutónicos vai definhando, atravessando, cada vez mais débil, a Revolução francesa, Napoleão e o desaparecimento do Império Austro-Hungaro.
Vamos encontrá-los na I Guerra  Mundial a exercer a vocação dos primeiros cavaleiros na Terra Santa: o socorro aos feridos de guerra dos dois lados do conflito.
É ligados, como Ordem Clerical dos Irmãos Alemães de Santa Maria de Jerusalém, que no fim do sec. XX, os vamos encontrar. O fecho do círculo.
Interessante e útil livro sobre a história desta Ordem menos conhecida do que a dos Templários e dos Hospitalários e, principalmente, sobre a evolução histórica desta zona da Europa, ainda hoje perdida nos imensos nevoeiros dos séculos, para muitos europeus ocidentais.

Título: Les chevaliers teutoniques
Autor: Henry Bogdan
Editor: Perrin – tempus nº15
Data: 2002
Pags.: 228
ISBN: 9782262018917