terça-feira, 15 de novembro de 2011

"Chronic City", Jonathan Lethem


Quando conclui a leitura da última página deste “Chronic City” de Jonathan Lethem levantei-me e fui abrir a janela da sala de par em par para deixar escapar o fumo e o cheiro a erva que se tinha libertado das 547 páginas deste romance.
É uma obra verdadeiramente alucinante. Já me tinha despertado a atenção este Jonathan Lethem, autor de várias obras com boas críticas. Não devia esperar outra coisa já que “the chronic” é o calão para erva de alta qualidade.
É um romance nova iorquino e os seus personagens são típicos da cidade e da sua sociedade, mais concretamente do Upper East Side de Manhattan.
Várias vezes durante a leitura recordei outra obra recentemente relida: “Golem” de Meyrink. Um relato de sonhos dentro de sonhos, de personagens que se transformam noutros personagens “em que o fim do sonho fazia ele mesmo parte de um sonho que o ponto final não interrompe. Que a história é infinita.”
É esta Nova Iorque e os seus personagens uma realidade virtual, um sonho dentro de outro sonho, uma simulação de computador que se vai reinventando com as acções dos personagens?
Nesta cidade que um estranho nevoeiro cinzento cobre há vários meses, com instalações de grande buracos feitos por um artista plástico – Ground Zero ? – em que um estranho cheiro a chocolate é apercebido por uma parte dos habitantes enquanto outros o sentem sobre a forma de sons, Chase Insteadman ( em vez de quê? Do personagem real?) trava conhecimento com Perkus Tooth.
Chase participou, enquanto jovem, numa popular sitcom dos anos 80 e apesar de não ter feito mais nenhuma é ainda um personagem famoso, frequentador habitual da alta sociedade da cidade.
Perkus Tooth foi um activista que colocava “dazibaos” pelos muros da cidade e antigo redactor da “Rolling Stone” mas sem nunca se reconhecer como um crítico musical. Hoje, é um sem-abrigo com um abrigo. Vive num apartamento que é o seu casulo e ao qual anexa restritos percursos e locais no exterior, rodeado de livros, discos, dvds, visitado regularmente na janela por Billie, um sem-abrigo que se irá transformar num mago da Internet e por um passador de erva com nomes esotéricos.
Chase rapidamente assume a tarefa de libertar Perkus do seu mundo paranoico mas é arrastado para esse mundo de longas discussões nocturnas filosóficas, anarquistas e conspirativas. Numa Nova Iorque de hoje Perkus fazia certamente parte do movimento “Ocupar Wall Street”.
O coração de Chase oscila entre Junice Trumbull e Oona Laszlo. Junice é uma austronauta que junto com outros americanos e russos está encravada numa estação espacial impedida de regressar á Terra por um campo de minas orbital colocado pelos chineses. Não se recorda da convivência anterior com ela. As comunicações que ela lhe envia são publicadas pelo New York Times e é nele que Chase as lê. É Junice um personagem real ou um personagem de um romance de ficção cientifica.
Oona Laszlo é uma “ghostwriter”. Fantasma também? É o seu amor físico apesar de achar que  ela é uma pessoa que ele não queria como amiga..
Ao longo das noites de fumo de erva e de cafeína, de curtas deslocações aos casulos exteriores de Perkus vão analisando os progressos das autoridades da cidade para capturarem um tigre fugitivo, um tigre que se vai agigantando, “ da altura de um segundo andar”. Um site da internet permite seguir os seus movimentos e os locais das suas futuras aparições. Será um tigre ou uma escavadora de túneis enlouquecida que vai destruindo locais da cidade ao serviço dos interesses municipais?
Um mayor bilionário, misto de Bloomber e Juliani, surge também quando Perkus e os seus amigos se dedicam a uma perseguição louca pela compra de um vaso que afinal não passa de uma construção feita por laser e que vai no ebay alcançando preços astronómicos quando frequentadores de “Another World” – recordam o “Second Life” – o licitam.
Será esta Nova Iorque uma simulação de computador dentro de outras simulações de computador, uma Nova Iorque de “Another World”.
Chase, espécie de ponte entre sectores da sociedade, perde contacto com Perkus. Este é arrastado para uma outra realidade, transformando-se agora num sem-abrigo sem abrigo, recolhido num edifício de apartamentos para cães vadios onde cuida de Ava, uma rottweiler com apenas 3 patas, um nova casulo de onde irá sair para uma outra realidade.
Ruas, hábitos rotineiros, discussões loucas, personagens atormentados por passados que são a antítese do seus presentes, longos monólogos cheios de referências a séries, filmes – terá Marlon Brando morrido ou estará a viver a sua realidade? – livros vão ocupando as páginas deste romance
Alucinante, tipicamente Nova iorquino que nos faz perguntar quando o concluímos se entrámos noutra simulação, a do nosso dia-a-dia onde julgamos ter lido um estranho livro.
Sentimo-nos como se tivéssemos corrido uns quilómetros. Cansados, transpirados mas com aquela sensação espantosa da adrenalina a esvair-se do nosso corpo.
Vou fechar a janela. O fumo já desapareceu da sala. O que fica entranhado dentro de nós, esse já não sai.

Título: Chronic City
Editor: Faber&Faber
Data: 2010
Pags:547
ISBN: 9780571235674

1 comentário:

  1. Gostei do teu blog!

    Sugestão: http://professorubiratandambrosio.blogspot.com/

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