Sabe bem ler um livro como este nos tempos de brasa que vivemos actualmente em que, perante a avalanche diária de notícias sobre a crise económica e política, as nossas memórias como que se dissolvem para retermos apenas as mais imediatas.
Um homem, idoso, no fim da vida, algures numa aldeia da Toscana, num tórrido Agosto, decide acertar contas com as memórias da sua vida. Fá-lo através de intermitentes conversas com um escritor que terá escrito um romance em que ele seria o personagem principal.
A vida será um romance lido uma única vez há muito tempo, diz-se neste “Tristano morre”. Assim esse romance, essa vida é recordado por Tristano aos borbotões, algumas vezes real, outras vezes mais imaginada do que real.
Arrancadas ao fundo do tempo e da memória chegam os episódios de lutas de libertação contra ocupações da Grécia e da Itália e da construção por futuros melhores. Cada segundo era uma vida intensamente vivida na ponta de uma espingarda. Farrapos de ilusões e traições, de céus azuis e verdes mares, paisagens infinitas, tornadas ainda maiores pelo amor por alguma mulher. Como caixas de sapatos subitamente abertas que espalham pelo chão amarelecidas fotografias; Tristano vai recolhendo as recordações de mulheres amadas, de mulheres deixadas, de mulheres que permaneceram no decurso da sua vida.
Vida intensamente vivida que desemboca na contemporaneidade representada no “blateleblá” berlusconiano da televisão e agora levado ainda mais ao extremo na cacofonia dos bláblábás virtuais da Internet, das suas redes sociais e do fervilhar dos gadgets. No meio dos sonhos da morfina que lhe é administrada, os pedaços da vida que submergem são de profunda felicidade e de grande paz, sem ressentimentos.
António Tabucchi é um escritor de créditos firmados e de obras inesquecíveis. “Tristano morre” é António Tabucchi no seu melhor, com o livro que se lê de uma só vez com imenso prazer e a que se volta várias vezes para reler excertos.
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