Confesso que não sou tão radical como alguns que entendem que obras de autores novos só devem ser lidas passados 20 anos para deixar assentar a poeira. Também é certo que opto com mais facilidade por um autor que desconheço completamente do que por aqueles que já vejo louvados pelos media. Mas como ninguém é perfeito acabo, ás vezes, de me deixar levar pela corrente.
Foi assim com walter hugo mãe. Olhei para uns quantos livros no escaparate da livraria e optei pelo “o apocalipse dos trabalhadores”.
É Bragança, num Portugal profundo. Duas mulheres quarentonas, para lá “do meio caminho das nossas vidas”, maria da graça – mulher-a-dias – e a sua amiga quitéria lutam pela sobrevivência diária e com ela vão descobrindo o seus sentimentos mais profundos.
maria da graça sofre um casamento rotineiro e sem destino já que não tem filhos e eles são para muitos casamentos a salvação e a porta de saída da infelicidade. Trabalha na limpeza da casa de um septuagenário abastado que vai abusando sexualmente dela ao mesmo tempo que tempo que lhe vai mostrando os Rilkes e os Mozarts. Quitéria, que ganha alguns euros fazendo de carpideira em funerais, quebra a sua infelicidade com encontros sexuais com ucranianos emigrados na cidade. Conhece Andryi, efebo ucraniano, a quem se liga inicialmente por simples desejo físico mas que evolui para uma relação amorosa intensa na qual descobre que na emigração também existem profundas tragédias pessoais.
O título do romance é bem explícito: “o apocalipse dos trabalhadores”. Não vamos encontrar os problemas existenciais da, agora tão falada, classe média mas sim daqueles que vivem diariamente no fio da navalha, num dia-a-dia de relações precárias, na consciência de que tudo pode acabar de um momento para o outro, num relâmpago.
Estamos a falar de trabalhadores emigrantes ou de trabalhadores portugueses? A diferença será apenas na língua que falam, já que cada um arrasta consigo as suas mundos pessoais e fantasmas do passado.
Violenta é a vida, violenta é a resistência. Não são falsos moralismos que surgem no acto de carpir num funeral a troco de dinheiro ou de pensar acabar com um negrume matrimonial matando o marido apoiando-se nos conhecimentos práticos do mundo dos Cifs e dos Neoblancs.
Nesse escorregar diário para o apocalipse cada um procura a redenção á sua maneira. Ferreira, abusador diário de Maria da graça, num suicídio, deixando-lhe os seus bens. A abusada compreende que tinha encontrado uma forma de amor e procura reencontrá-lo na morte. Quitéria acha que o seu destino é levar Andryi de regresso á Ucrânia para procurar a família que tinha cortado contactos com ele com medo de antigos fantasmas.
E no meio destes personagens trágicos passeia o cão Portugal, rafeiro, pequeno e dócil, “rectângulo castanho pungente…e imprestável. Geograficamente centrado o romance faz, todavia, desfilar personagens universais.
Foi uma agradável surpresa a descoberta deste autor e deste “o apocalipse dos trabalhadores”. Tenho algumas reticências á forma como um certo número dos nossos escritores procuram instalar através da forma o seu estilo romanesco pessoal. Vejam-se os casos de Lobo Antunes ou de Saramago, entre outros. walter Hugo mãe também o faz, através da abolição de maiúsculas e da pontuação minimalista. Acho que estilo pessoal deve ser feito essencialmente á custa da escolha dos temas e da construção dos personagens. Mas são questões menores perante a qualidade da obra.
Estamos perante um autor que vais deixar a sua marca na literatura portuguesa neste início de século. Em breve irei começar a ler “ a máquina de fazer espanhóis” mas estou certo que a boa impressão será confirmada.
“o apocalipse dos trabalhadores”
walter hugo mãe
Alfaguara
2008
Pags. 199
ISBN 9789896720810
Também gostei bastante deste livro.
ResponderEliminarNão concordo quando afirma que o Ferreira abusava sexualmente de Maria da Graça, tudo o resto concordo consigo.
Deixo aqui a sugestão que fiz da obra:
http://sugestaodeleitura.blogspot.pt/search/label/o%20apocalipse%20dos%20trabalhadores