segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"o apocalipse dos trabalhadores", walter hugo mãe

Confesso que não sou tão radical como alguns que entendem que obras de autores novos só devem ser lidas passados 20 anos para deixar assentar a poeira. Também é certo que opto com mais facilidade por um autor que desconheço completamente do que por aqueles que já vejo louvados pelos media. Mas como ninguém é perfeito acabo, ás vezes, de me deixar levar pela corrente.
Foi assim com walter hugo mãe. Olhei para uns quantos livros no escaparate da livraria e optei pelo “o apocalipse dos trabalhadores”.
É Bragança, num Portugal profundo. Duas mulheres quarentonas, para lá “do meio caminho das nossas vidas”, maria da graça – mulher-a-dias – e a sua amiga quitéria lutam pela sobrevivência diária e com ela vão descobrindo o seus sentimentos mais profundos.
maria da graça sofre um casamento rotineiro e sem destino já que não tem filhos e eles são para muitos casamentos a salvação e a porta de saída da infelicidade. Trabalha na limpeza da casa de um septuagenário abastado que vai abusando sexualmente dela ao mesmo tempo que tempo que lhe vai mostrando os Rilkes e os Mozarts. Quitéria, que ganha alguns euros fazendo de carpideira em funerais, quebra a sua infelicidade com encontros sexuais com ucranianos emigrados na cidade. Conhece Andryi, efebo ucraniano, a quem se liga inicialmente por simples desejo físico mas que evolui para uma relação amorosa intensa na qual descobre que na emigração também existem profundas tragédias pessoais.
O título do romance é bem explícito: “o apocalipse dos trabalhadores”. Não vamos encontrar os problemas existenciais da, agora tão falada, classe média mas sim daqueles que vivem diariamente no fio da navalha, num dia-a-dia de relações precárias, na consciência de que tudo pode acabar de um momento para o outro, num relâmpago.
Estamos a falar de trabalhadores emigrantes ou de trabalhadores portugueses? A diferença será apenas na língua que falam, já que cada um arrasta consigo as suas mundos pessoais e fantasmas do passado.
Violenta é a vida, violenta é a resistência. Não são falsos moralismos que surgem no acto de carpir num funeral a troco de dinheiro ou de pensar acabar com um negrume matrimonial matando o marido apoiando-se nos conhecimentos práticos do mundo dos Cifs e dos Neoblancs.
Nesse escorregar diário para o apocalipse cada um procura a redenção á sua maneira. Ferreira, abusador diário de Maria da graça, num suicídio, deixando-lhe os seus bens. A abusada compreende que tinha encontrado uma forma de amor e procura reencontrá-lo na morte. Quitéria acha que o seu destino é levar Andryi de regresso á Ucrânia para procurar a família que tinha cortado contactos com ele com medo de antigos fantasmas.
E no meio destes personagens trágicos passeia o cão Portugal, rafeiro, pequeno e dócil, “rectângulo castanho pungente…e imprestável. Geograficamente centrado o romance faz, todavia, desfilar personagens universais.
Foi uma agradável surpresa a descoberta deste autor e deste “o apocalipse dos trabalhadores”. Tenho algumas reticências á forma como um certo número dos nossos escritores procuram instalar através da forma o seu estilo romanesco pessoal. Vejam-se os casos de Lobo Antunes ou de Saramago, entre outros. walter Hugo mãe também o faz, através da abolição de maiúsculas e da pontuação minimalista. Acho que estilo pessoal deve ser feito essencialmente á custa da escolha dos temas e da construção dos personagens. Mas são questões menores perante a qualidade da obra.
Estamos perante um autor que vais deixar a sua marca na literatura portuguesa neste início de século. Em breve irei começar a ler “ a máquina de fazer espanhóis” mas estou certo que a boa impressão será confirmada.

“o apocalipse dos trabalhadores”
walter hugo mãe
Alfaguara
2008
Pags. 199
ISBN 9789896720810

1 comentário:

  1. Também gostei bastante deste livro.
    Não concordo quando afirma que o Ferreira abusava sexualmente de Maria da Graça, tudo o resto concordo consigo.
    Deixo aqui a sugestão que fiz da obra:
    http://sugestaodeleitura.blogspot.pt/search/label/o%20apocalipse%20dos%20trabalhadores

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