Mesmo nos países que nunca consideraram o romance de ficção cientifica um sub-género menor da literatura, houve momentos em que parecia que todas as opções e caminhos estavam esgotados e o que o seu lugar seria definitivamente ocupado pela Fantasia e pelo Fantástico.
Os últimos anos mostram, pelo contrário, a vitalidade do género e dos seus autores. Para citar apenas dois recordem-se “The gone away world”, de Nick Harkaway e “The windup girl”, de Paolo Bacigalupi.
Mais recentemente foi publicado o excelente “The Dervish House” de Ian McDonald, finalista dos Hugo Awards 2011 e que já nos tinha surpreendido com “Brasyl” e “River of Gods”.
É um romance de amor pela secular Istambul. Muitas vezes temos de confirmar na capa se não nos teríamos enganado e estávamos a ler algum livro de Orhan Pamuk.
As vidas de um especulador da bolsa de futuros do gás e da sua mulher negociante de antiguidades, de um ex-professor grego de economia, de uma criança com uma doença cardíaca e que aspira a ser detective e de um jovem com um passado turbulento, vão-se cruzando por uma Istambul que só percebemos ser a de 2027 pela irrupção de robôs que se transformam de macacos em pássaros ou cobras, por bitbots policiais que são as novas polícias de choque, pelos estranhos dispositivos que substituíram os telemóveis e pelos nano robôs que substituem o algodão no vestuário.
Neste futuro/presente a Turquia integra a União Europeia e a economia turca rende-se ao sistema económico europeu mas continua a ser uma ponte entre dois continentes. O lastro de um imenso passado continua a pesar sobre o presente/futuro, as minorias étnicas – os gregos, por exemplo - são cada vez mais minoritárias sem abandonar os seus modos de vida seculares e o poder continua a ser sufocante sobre o dia-a-dia dos cidadãos.
O misticismo e as religiões, nas suas diversas formas, são como um imenso lago que a todos banha e onde navegam os novos terrorismos agora já não são fanatismos religiosos mas místicos tecnológicos. As histórias de amor, e as separações continuam a existir como sempre existiram ao longo dos séculos, atravessando revoluções e traições.
Istambul otomana com as sua casas seculares casas de madeira – Dervish House -, dos descendentes de seitas religiosas secretas que são apenas referências em histórias passadas oralmente, dos novos edifícios do capital financeiro e dos euros europeus e o Bósforo, sempre o Bósforo, visto ou apenas apercebido através dos sentidos e as suas pontes que ligam a Europa Ásia..
Podem mudar as formas das super-estruturas políticas e religiosas, o capitalismo financeiro pode encontrar novos disfarces, a tecnologia pode adquirir novos e aterradores caminhos mas os sentimentos básicos e estruturantes do Homem atravessam, inalteráveis, o passado, o presente e o futuro. São omnipresentes, limitando-se a adaptar-se aos novos ambientes da História e á cidade sempre eterna: Istambul.
“The Dervish House” é a história de amor por Istambul e pela diversidade humana que contém.
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