É o fascínio pelo abismo que me leva a escolher entre dois
livros de poesia aquele de cujo autor nunca ouvi falar?
Na prosa isto é menos intenso. Os media anunciam, comentam e criticam os autores da moda mas também aqueles desconhecidos que a razão
económica das editoras, na sua febre constante pela novidade, empurra para as
prateleiras.
No mundo minimalista, quase secreto e clandestino da edição
de poesia, o fenómeno é diferente. De qualquer maneira, entre o poeta laureado
ou credenciado, escolho sempre o desconhecido.
Foi um destes saltos para o abismo que dei quando comprei “Nervo”, de Diogo Vaz Pinto, numa edição
Averno. E afinal não caí nem me esmaguei. Bem pelo contrário. Flutuei nas
correntes termais da sua poesia.
Dele sabia apenas ser um jovem poeta ligado ao Núcleo
Autónomo Calíope, da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de
Lisboa.
Começo pelo mais rápido e curto e dizer aquilo de que não
gostei. Não gostei de um excesso de citações de autores a introduzir diversos
poemas. Desviam a atenção para outros horizontes, criam a angústia do regresso
á leitura desses autores, diminuem a concentração sobre o poema.
Diogo Vaz Pinto não é um poeta militante da análise das
contradições da sociedade: “Contra o
mundo, prefiro a poesia / descomprometida, arredada de inúteis militâncias…”.
É um poeta das contradições do eu com o outro, em especial do outro mulher. Não
é um poeta lírico parnasiano mas um poeta lírico do dia-a-dia que o eu
percorre. Diria ser o poeta vagabundo da melancolia e da cidade.
A palavra do poema procura a luz e o prazer, os cheiros,
procura e encontra a solidão e o tédio.
Percorre a cidade “Lisboa
pela tarde tem este gosto / a delírio manso…” Da cidade para a habitação,
para o intimo interior físico e para o íntimo do eu e das suas relações
amorosas: “De costas olho-te e
imagino-te / no aborrecimento dos anos com algum / romance nos joelhos…”. Não
é a poesia do encontro, da relação e do contacto com a surpresa do oposto
feminino. É a poesia da melancolia do depois.
E assim surge a
solidão e a introspecção do eu: “Deitei a
tarde pela janela e fiquei só..”. E essa solidão, que olha para o presente
e para o passado vivido, reforça-se na repetição rotineira dos actos diários: “Entro no supermercado, atravesso / sozinho os
corredores enquanto penso / na glória obscena e acessível / deste nosso princípio
de século”.
O olhar do poeta percorre as pequenas coisas do quotidiano:
“Pouso a chávena no parapeito.”, “
guardei o recibo que não serve para nada” ou ainda “Na cozinha, o pequeno rádio, os frascos / com doce e os olhos com que
vens / brincando em tons de mel”.
Estamos confrontados com um poeta que vai ser uma referência
incontornável na nova poesia portuguesa, bem mais interessantes que encontrei
recentemente.
São cento e vinte páginas que mostram já uma produção
abundante e que anunciam novos espantos poéticos ao leitor das suas obras
futuras.
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