Vivemos verdadeiramente em tempos interessantes. Acabaram os
tempos das águas paradas, na política, na economia e noutras áreas sociais. Os
ventos são fortes e as vagas alterosas.
Não há gestor que se preze ou manual de motivação que não
repita até á exaustão a máxima que a crise abre novas oportunidades. Se formos
apenas seguir os títulos a negrito dos tablóides ou os mil repetidos sound
bytes dos apresentadores ou comentadores da tele-economia, as oportunidades e
os caminhos são os mesmos que os trouxeram á actual crise.
A oportunidade que aqui existe é a da procura de análises
políticas e económicas do passado e de discussão de alternativas sólidas
capazes de acabar com este vórtice de sacrifícios e miséria a que nos querem
condenar.
“Portugal e a Europa em crise”, com coordenação de José Reis
e João Rodrigues,
recolhe artigos publicados na edição portuguesa do “Le Monde Diplomatique”
entre 2008 e 2011.
Estamos portanto no centro do furacão. Os autores, economistas, de várias
tendências, procuram analisar as razões da crise e soluções alternativas ás
teorias actualmente dominantes.
Destacaria dois artigos, um pela abordagem de um problema
que tem sido muito ocultado em Portugal e outro por referir, entre outros, a
abordagem crua á ladainha de sair da crise exclusivamente com o aumento
permanente das exportações.
A situação do imobiliário e Portugal é apresentada como
preocupante apesar de quando se falar em bolhas imobiliárias europeias se falar
apenas na Irlanda e na Espanha. A realidade nacional referida no artigo de que,
em 2006, o crédito imobiliário representava 80% do crédito aos particulares e
56% do crédito ás empresas, mostra imediatamente o que vamos enfrentar. Ao
mesmo tempo, o país, apresenta preços por metro quadrado idênticos ao da zona
urbana de Berlim. É um mercado puramente especulativo, que tem grandes
resistências, á mudança. Salienta ainda o autor, perante um panorama deste, a
pouca atenção dada nas licenciaturas contemporâneas de economia, a esta área
que está na base, em todo o mundo, da crise económica.
Outro autor analisa a nossa entrada na zona euro e as
consequências que isso provocou numa economia como a nossa. E se a resposta aos
primeiros sinais da crise foi a de intervenções maciças dos governos (leia-se
contribuintes) no sistema bancário e estímulos á procura com intervindo em
sectores e empresas e investimentos públicos de emergência, ela depressa
acabou. Vale a pena reler a defesa, surpreendente, destes princípios feita
pelos responsáveis da EU, Durão Barroso incluído. Foi de sol de pouca dura pois
logo se começou a falar apenas da crise da dívida dos países, em especial dos
chamados PIGS. Controlar a dívida a todo o custo e regressar ao equilíbrio
orçamental é o missal actual.
O autor salienta ainda a contradição entre os problemas dos
PIGS e a aflição dos chamados FUKD (França, Reino Unido e Alemanha). A crise
não é nacional mas europeia dentro de uma crise mundial. A saída deve ser
encontrada com racionalidade e equilíbrio, levando a reformulações do sistema
monetário europeu, alterações na política do BCE e reforço político das
instituições europeias.
Se um conjunto de teorias dominantes nos trouxe á crise
porque é que devemos seguir as mesmas para tentar sair da crise? Os autores
destes artigos procuram mostrar que há outros horizontes possíveis. Não caberá
a eles mas sim aos actores políticos desenvolverem propostas claras e credíveis
perante todos nós para aceitarmos essas alternativas. Talvez seja o que nos tem
faltado nestes tempos interessantes que vivemos.
Título: "Portugal e a Europa em crise"
Autor: vários com coordenação de José Reis e João Rodrigues
Editor: Actual/Le Monde Diplomatique
Pags.: 202
ISBN: 9789896940218
Preço: 7 Euros
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