segunda-feira, 12 de setembro de 2011

"The Pale King", David Foster Wallace


Pela primeira vez arrisquei ler um livro de um autor que desconhecia através de uma sua obra póstuma. Sempre entendi que, ou o autor a tinha plenamente acabada, ou se ela era criada pelos papéis, notas ou rascunhos deixados, era uma obra de outros e não dele.
De David Foster Wallace nunca tinha lido nada. Sabia do mito em que se tinha tornado o homem após o seu suícidio em 2008 e da inclusão do seu “Infinit Jest” na lista das obras míticas, muito pouco lidas mas imensamente faladas.
“The Pale King” é a sua obra póstuma. Após a sua morte, o seu agente Bonnie Nadell recolheu de sua casa 200 páginas arranjadinhas que estavam em cima da sua secretária. Michael Pietsch, da editora Little Brown & Co. que trabalhava com Wallace recolheu outras folhas perdidas em gavetas e cestos de papéis. Durante 2 anos dedicou-se á tarefa de organizar este “The Pale King”.
Um conjunto de personagens converge no IRS – Regional Examination Center em Pioria, Illinois. É no ambiente alienado do sistema fiscal americano que vamos conhecendo o passado destes personagens, neófitos no sistema, bem como o dos seus chefes, integrados no serviço há vários anos. É através de capítulos com estilos literários diferentes, em épocas temporais diferentes, que vamos criando a imagem deste sistema fiscal que é um mundo dentro do mundo em que vivemos. Um mundo sufocante, imensamente aborrecido para o qual somos arrastados pelas discussões internas que aí se sucedem numa linguagem esotérica com o seu calão próprio.
O que levou as personagens a entrar neste mundo? O que motivou David Wallace, nome verdadeiro do autor, que aí também trabalhou? Com as personagens estamos deitados em sofás freudianos até ao momento da sua chegada ao IRS. Salas e salas com secretárias, luzes de fluorescentes, apinhadas de montanhas de declarações fiscais, dia após dia. Do ambiente fordista da fábrica para o mundo alienado do colarinho branco. Recordamos Loyola Brandão no seu “Não conhecerá país nenhum”, onde o ex-professor universitário Souza conferia listas intermináveis de números emitidas por computadores. O aborrecimento é o senhor do romance, o seu personagem principal. “Pale King” é um romance sobre o ambiente. O ambiente substitui o enredo
Nos anos 80, o romance situa-se em 1985, o IRS americano vai enfrentar as mudanças impostas pelas políticas neo-liberais dos anos Reagan, dos cortes para permitir diminuição dos impostos, a privatização dos serviços públicos e as modificações impostas pela informatização dos serviços. A substituição da folha escrita pelo cartão perfurado. No interior extremam-se os campos, as chefias procuram impor os seus pontos de vista aos recém- chegados.
Big Q is whether IRS is to be essencially a corporate entity or a moral one”, diz Wallace nos seus apontamentos. Aquele mundo, por muito aborrecido que fosse, cumpria o seu serviço de redistribuição da riqueza na sociedade.
The birth agonies of the New IRS led to one of the great and terrible PR discoveries in modern democraciy, which is that if sensitive issues of governance can be made sufficiente dull and arcane, there will be no need for officials to hide or disassemble, because no one not directly involved will pay enough attention to cause trouble.”
O aborrecimento é o meio e a mensagem. Porque que é nos retraímos perante o aborrecimento? “…because dullness is intrinsically painfull.” E numa sociedade em que o aborrecimento atravessa o nosso dia-a-dia, nos transportes, na alienação do trabalho e das relações sociais, “ nas Tvs nas salas de espera, nas bichas dos supermercados, nos aeroportos, nos bancos traseiros dos SUVs. Walkemen, iPods, Blackberries, telemóveis que ligamos ás nossas cabeças. Este terror do silêncio.”
É cristalino quando diz “ I can’t think anyone really believes that today so-called ‘information society’ is just about information. Everyone knows is something else, way down.
Fredrick Blumquist, de 53 anos, funcionário há 30 anos, no IRS de Lake James, morreu de um ataque de coração, sentado á sua secretária, na sala que compartilhava com outros vinte e cinco colegas. Foi a uma terça-feira. Só foi encontrado no sábado á noite por um empregado de limpeza que estranhou vê-lo a trabalhar á secretária com a luz apagada. Este é o capítulo estruturante do romance.
“The Pale King” é ainda uma história sobre a incapacidade de comunicação: dos novos funcionários ao longo da sua vida, das chefias com os recém-chegados, dos homens no seu relacionamento com as mulheres. São opressivos os capítulos que recolhem estes diálogos.
Por ser uma obra póstuma abordei a leitura como se o romance fosse um livro de contos. Creio ter sido a melhor abordagem. Alguns absolutamente maravilhosos, com uma escrita lindíssima, outros tão desesperantemente aborrecidos que exigia quase um violento esforço físico para os concluir. Um dia um, noutro dia outro, até a atmosfera e a intenção do romance se ir tornando cristalina. Uma aventura fascinante.

The truth will set you free. But not until it is finished with you.
                                                                       David Foster Wallace

Título: The Pale King
Autor: David Foster Wallace
Editor: Little Brown and Company
Pags. 548
ISBN: 9780316178327

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